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utopicamente irreal


‘Tudo que não é invento, é falso’

Manoel de Barros - O livro sobre o nada


Falando ~ainda~ em nostalgias, andei revisitando meu caminho na arte, meus desvios de rota e o retorno. Desde que me formei no ensino médio, minha primeira opção no vestibular sempre foi Artes Plásticas. Poucos sabem, mas tentei duas vezes e nunca consegui passar na prova específica da UnB. Hoje, acho realmente que não tinha maturidade (artística) naquele momento e segui outros caminhos.


Fui para o design de interiores (2008) e lá tive meu primeiro contato com a aquarela, numa disciplina chamada 'desenho artístico', que hoje nem existe mais.

O professor era um jovem artista, nos trouxe, além do conhecimento técnico e prático do desenho e da pintura, a poesia. Coisa essa que eu ia deixar pra trás depois de tantas fachadas e plantas baixas.


Na época, ele fazia um mestrado que se chamava 'Memórias de chuva', onde contava a história da perda de um irmão (se eu me lembro bem..), a relação do sujeito para com o tempo, suas efemeridades e ciclos. E contando bem superficialmente, um de seus processo era desenhar cigarras em cadernos e depois enterrá-los. O tempo agia, as estações se faziam. Quando os objetos enterrados eram retirados, podia-se observar a relação entre tempo e matéria.

Para quem quiser ler mais sobre deixo abaixo o link da dissertação (1).

Nunca esqueci esse trabalho, que para dizer a verdade nunca li profundamente. Mas sempre que penso nisso, há algo que vai lá no fundo, nas entranhas e provoca uma mistura de paz com desassossego.


Revisitar antigas pinturas é catártico. É quase como uma prova que eu sempre fiz o que eu queria fazer. Não ter estudos em artes sempre me freiou, pois sempre tive uma visão muito idealizada e pedestalizada do sujeito artista. Mas sempre houveram brechas, rachaduras, fendas , vazios em que eu me encontrava e que pude inventar, ser matéria e tempo.

Eu pintando uma tela com tinta óleo, 2006



1 - https://repositorio.unb.br/handle/10482/7347

 

Encaixes cariocas

Acrílico sobre tela 1,90x1,45m, 2022


No verão efervescente do Rio de janeiro, tudo impregnou em mim: carnaval, resistência, música, floresta, oceano, calor, Santa Teresa, praia, céu, bromélias, bronze, arroz, feijão, sol, calor, cor, muita cor, curvas, suor, morros, barulho, informalidade, espontaneidade, brasilidade.


Encantei-me por tudo, como se estivesse vendo aquilo tudo pela primeira vez. Tudo era mais bonito que qualquer memória, que qualquer lembrança.


Era eu, sentindo ares de casa novamente.

Assim nasceu a série 'Encaixes e Desencaixes', na complexidade de transitar entre ser nativa e estar estrangeira. De estar imigrante e ser nativa. Entra numa caixa, sai e entra em outra. Se ajeita, se acomoda e se desacomoda.


Há 10 meses vivo em estado de viagem. Não é uma viagem de férias, já é o modo de vida. Vivemos numa Kombi desde maio e o maior medo que eu tinha era de não conseguir pintar.


Não é todo dia que dá para adaptar o atelier, não é todo dia que pinto e não é qualquer tamanho ou qualquer formato que  são viáveis. O espaço é limitado e tudo depende do humor da meteorologia. A logística é complexa, mas a cada dia desenvolvo novos truques.


Então, por esse receio de não conseguir pintar, eu comecei a pintar sempre, para não correr o risco de não pintar.


A vida então continua por estradas, cidades, vilarejos, paisagens, rostos, corações. E tudo isso que vivo, que já é tanto, por vezes parece pouco perto daquilo que se pode viver.

É preciso tempo para digerir, distância para compreender a magnitude de toda essa vida presente.


Trouxe uma mala inteira da França com meus melhores pincéis, papéis e quilos de tubos de tinta, ter meu atelier era prioridade durante essa nova fase.


E no início dessa aventura recebo a comanda de um amigo querido : fazer uma pintura da série 'Encaixes' em escala 5x maior do que eu estou habituada. Tremi na base! Haha A pequena escala é a minha zona de segurança e uma dimensão tipo A2 já é grande. A logística era o mais complexo, onde eu poderia fazer uma pintura tão grande?


Até encontrar um possível local,

muitos estudos foram feitos, outros mil poderiam ter existido. E o processo da pintura não é linear e apesar de ter um estudo de base, ela tomou seu rumo ao longo do processo.


Atualmente estou em Itacaré, na Bahia e essa pintura nasceu aqui. Mas ela também nasceu no rio de Janeiro, naquela volta lá no início, efervescente, quente e viva. Em breve, ela vai habitar terras moçambicanas. Como eu poderia descrever tamanha felicidade? 🖤


Agradeço imensamente ao meu amigo @neyrcd pela confiança no meu trabalho e pela ocasião de eu poder me desfiar. Ao meu companheiro Rémy, que me apoia na logística e em todos os processos para fazer as ideias virarem realidade. E ao Paulinho, do espaço @casafluir que me cedeu por alguns dias um pouco desse espaço querido em Itacaré. 🤍

 

Encaixe.


efeito de encaixar. concavidade ou espaço.

Destinado a receber peça, forma que completará um todo ou parte de um todo.


Caber. Acomodar. Colocar-se. Adaptar-se. Ajustar-se. Ser atribuível. Adequar-se.


Desencaixe.


Retirada de algo do interior de uma caixa. Desencaixotamento.


Retirada ou perda de encaixes. Desconjunção. Desunião.




Esta idéia ou conceito dos encaixes e desencaixes me surgiu dias após minha chegada ao Brasil, depois de 6 anos encaixando-me e sendo desencaixada em outro país, que não era o meu.

Voltei para o lado de cá e voltei à encaixar-me. E também à desencaixar-me. Ou, por muitas vezes, desencaixam-me.

Sinto ainda reverberar esta condição de ser e não ser. Ser nativa, ser estrangeira, não ser nativa, não ser estrangeira. Adaptar-me, não adaptar-me.

Estou sempre no movimento aeróbico de estar e ser ou ser e não estar.

Hoje, encaixo-me confortavelmente neste espaço que é meu, mas que também pode não ser.

Como poderia imaginar que sentiria um dia falta daquilo que era onde não era?

Tornei-me algo, alguma coisa, depois de tantos desencaixotamentos e encaixotamentos.

Entra, sai, forma, desforma, preenche, esvazia..sacode, constrói e desconstrói.

O dentro e o fora, o entrar e o sair fizeram que no final algo apenas seja. Sei lá.







 

Espace des traductions des mes utopies réelles et irréelles. Parfois en français, parfois en portugais. 

Espaço de tradução das minhas utopias reais e irreais. Às vezes em português, às vezes em francês.

France 3 19/20

Mardi 9 janvier 2018

Reportage sur Le rêve de Paloma

Midilibre

Le 26 décembre 2017​

Reportage sur Le rêve de Paloma

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