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Ensaios para estar-no-mundo

A série “Ensaios para estar-no-mundo”, inicialmente intitulada “Encaixes e Desencaixes”, surgiu por volta de meados de 2022, quando me propus a explorar a complexidade da imigração e da condição de estrangeira. Depois de seis anos vivendo em outro país, retornei à minha terra natal, sentindo novamente aquele reconfortante sentimento de pertencimento a um conjunto de referências socioculturais e geográficas. Apesar dessa familiaridade, uma certa estranheza persistia diante daquilo que sempre me foi íntimo, desencadeando assim uma busca por encaixe e pertencimento aos territórios que percorro desde 2022.

Essa série foi desenvolvida em um contexto de vida nômade, atravessando por terra regiões do Brasil, da Argentina, do Chile e da Bolívia. Ao longo da viagem, compreendi que minha experiência não dizia respeito apenas à adaptação à realidade e ao território, mas exigia também um papel ativo, uma ocupação efetiva dos lugares por onde eu passava. É uma metáfora pictórica da condição de imigrante, estrangeira e/ou nômade através da pintura.

Na pintura, as experiências de imigração e deslocamento se manifestam por meio de formas geométricas, inteiras ou seccionadas, preenchidas com cores vibrantes e contrastantes. Essas formas exploram diferentes maneiras de ocupar os espaços vazios, criando tramas variadas que oferecem possibilidades infinitas de encaixes, integrações e composições. Meu desejo é que essa dinâmica seja percebida visualmente, enquanto sua compreensão permanece subjetiva, como metáfora da busca pelo pertencimento, não apenas o ato de estar em um lugar, mas o de realmente fazer parte dele.

Inicialmente, as tramas eram pré-estabelecidas, de modo que as formas pudessem se inserir nesse espaço preexistente. Num segundo momento, as formas passaram a se encaixar organicamente umas nas outras, e a ausência de “fundo” surgiu, permitindo que o vazio existisse sem ser preenchido, aceitando assim sua vulnerabilidade, o vazio, a falta.

O uso de cores intensas e vivas é uma referência paupável às minhas origens, desempenhando um papel central no meu trabalho. As cores são trabalhadas por tonalidades, contrastes e, às vezes, revelam elementos inesperados, quase como “estrangeiros” que se destacam na composição, reforçando a ideia de estar à margem ou destoado de uma base 'homogênea'. Cada pintura é um ensaio sobre modos de pertencer, uma metáfora da tentativa de integrar-se a um todo preexistente, mesmo quando o sentimento de estranheza persiste. O azul-ultramar, cor dominante no meu corpo de trabalhos, é uma referência à minha cidade natal, Brasília. Essa tonalidade, presente nos azulejos de Burle Marx, vinda dos azulejos portugueses durante a colonização, reforça uma conexão simbólica com elementos que representam a criação de um novo lugar, portador da memória e da identidade dessa cidade jovem, mas também de diferenciação e exclusão.

A quarta fase da série “Ensaios para estar-no-mundo” surge quando se torna necessária a materialização dessas formas e a ocupação ativa dos espaços. Dessa necessidade, a pintura se expande e toma o espaço físico. Nessa etapa, a metáfora, antes limitada ao plano bidimensional das telas e do papel, ganha corpo no espaço tridimensional, ultrapassando os limites da pintura e ocupando o mundo físico de maneira concreta e tangível.

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